Comunidade bloqueia rodovia em Itaparica contra ameaça de construção do “Minha Casa, Minha Vida”
Por Gilsimara Cardoso

Na tarde de 1º de setembro, um canto em Iorubá ecoou pela rodovia BA-532, na altura das comunidades de Barro Branco e Bela Vista, em Itaparica. O anúncio, feito em carro de som, que costuma animar a localidade, dessa vez não convidou para festa, mas sim para resistência.

Canto de Resistência ecoa na BA-532 em defesa do Terreiro Tuntun Olukotun
Em meio as numerosas preocupações com os impactos da ponte Salvador–Itaparica, o Tuntun Olocotum, fundado há 175 anos e reconhecido como território de culto aos ancestrais, passou a viver a iminência de uma violação, a construção de um conjunto habitacional em território sagrado.

Canto de Resistência ecoa na BA-532 em defesa do Terreiro Tuntun Olukotun – Foto: Gilsimara Cardoso
O processo de gentrificação publicizado como programa social bateu na porta do terreiro mais antigo da Ilha de Itaparica. A ameaça surgiu nas redes sociais, quando o deputado estadual Matheus Ferreira divulgou a chegada do programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida” para o município de Itaparica. “Agradeço ao prefeito @zezinho.itp pela confiança e parabenizo-lhe por caminhar conosco nessa missão de cuidar da nossa gente. “ O texto foi publicado da página do deputado, no último dia 22 de agosto.
Dias antes, candomblecistas relataram a presença de pessoas medindo as terras no entorno do Terreiro Tuntun, acendendo o alerta sobre a possível ocupação da área.

Canto de Resistência ecoa na BA-532 em defesa do Terreiro Tuntun Olukotun – Foto: Gilsimara Cardoso
Durante as falas, Marcelo Santos, da FENACAB – Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro, destacou. “Mesmo tendo apoiado politicamente o projeto da ponte, isso jamais será superior à minha fé, ao meu pertencimento ao terreiro e à minha ancestralidade. Se algo está errado, precisa ser repudiado e corrigido.” afirma.

Foto: Gilsimara Cardoso
Antes de ocupar a rodovia, os povos de terreiros se reuniram dentro do Tuntun Olokotun. No centro da mata atlântica que protege o espaço, o ato coletivo denunciou não apenas o risco imediato do empreendimento, mas também os danos irreparáveis que vêm sendo impostos aos territórios tradicionais em nome do desenvolvimento.
Como alerta dos mais velhos, “quem não pode com a formiga não atiça o formigueiro”, a suspeita do possível empreendimento provocou reação imediata de todos os terreiros do entorno, que realizaram um ato, no Terreiro Tuntun, em seguida foram para a rodovia.

Canto de Resistência ecoa na BA-532 em defesa do Terreiro Tuntun Olukotun – Foto: Gilsimara Cardoso
Cerca de 130 pessoas caminharam, enquanto falavam palavras de ordens, e bloquearam o tráfego na BA -532, por aproximadamente 20 minutos, gerando congestionamento.
No microfone, no meio da rodovia, o historiador Felipe Brito se manifestou.
“Daqui pra lá é território sagrado!”.
O grito se espalhou entre os presentes e ecoou como linha de defesa do patrimônio imaterial da Ilha de Itaparica. A região que abrange as comunidades de Barro Branco e Bela Vista. Porque a floresta também é parte da vida dos indígenas e de todo o povo da Ilha de Itaparica, que cresceu em convivência com rios, árvores e cantos de pássaros.
O Ministério Público Federal foi acionado, disse que abriu um procedimento administrativo, e deu um prazo a prefeitura de Itaparica, ao governo do estado da Bahia e a União para que se manifestem sobre a denúncia.
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Nota da Prefeitura de Itaparica
No mesmo dia, a Prefeitura Municipal de Itaparica publicou uma nota esclarecendo que o empreendimento não afetará terreiros e comunidades tradicionais nos bairros de Barro Branco e Bela Vista, a nota surgiu como resposta direta às preocupações crescentes sobre os impactos de grandes obras nos territórios sagrados da Ilha.
Ao anunciar medidas como a criação de uma faixa de preservação e o projeto do Parque Cultural e Histórico Barro Vermelho, a gestão municipal busca reforçar um discurso de respeito e diálogo com as populações tradicionais.
No entanto, essa posição também revela a necessidade de vigilância constante por parte das comunidades, especialmente diante de um histórico em que o avanço de obras públicas e privadas frequentemente desconsidera os direitos territoriais de povos indígenas, quilombolas e de religiões de matriz africana. Assim, o esclarecimento não apenas informa, mas também sinaliza um momento crucial de tensionamento e negociação entre desenvolvimento urbano e preservação cultural.
Muito bom esse post, é importante falar sobre o quanto o nosso povo fica apreensivo quando querem retirar o que tanto lutamos para conseguir. Mas a resistência e a fé fala mais alto! Parabéns pela reportagem.
Parabéns pela belíssima matéria! De uma sensibilidade incrível!