Chuva, pedal e corações abertos
Por Nazareth Reales

Tairu, Arthur se despedindo de Thomas – Foto: Nazareth Reales
6 de julho –Vera Cruz, Bahia
Saímos da casa de Gilsimara, em Tairu, com o céu encoberto e uma chuva fina que logo se tornou constante. Estava frio. Thomas, como sempre, animado com qualquer novo dia de aventura. Polar caminhava atento ao nosso lado. Mal havíamos percorrido dois quilômetros quando a roda traseira furou. Andrés, com a calma de sempre, desmontou as ferramentas.

Família Bikeagle com Lucia – Foto: Nazareth Reales
Enquanto consertávamos, surgiu Lúcia Preti, dirigindo um carro, curiosa com nosso pequeno viajante. Conversamos, rimos. Ela nos presenteou com sapatilhas e uma badana, ficaram perfeitas. Logo chegou Roxana, amiga de infância de Lúcia, também tocada por nossa história. Nos trouxe itens para o cicloturismo. A chuva insistia, então Lúcia nos convidou para dormir na casa dela. Aquela noite foi mais que abrigo. Preparamos sanduíches, cozinhei peixe, jantamos juntos como velhos amigos. Dormimos aquecidos. Aprendi com Lucía que não importa o que se tem no bolso, mas o que se carrega no coração.
O dia em que tudo molhou

Família Bikeeagle rumo a Nazaré. Foto: Nazareth Reales
7 de julho – Rodovia BA-001 – Ilha de Itaparica
Café da manhã com Lúcia e um embrulho de peixe para levar. Agradecemos e seguimos. O céu continuava com nuvens densas, e os pingos d’água também. Foram 40 km de estrada molhada até Nazaré. Paramos para um almoço improvisado: peixe, café e pão. Quando faltavam 5 km, a chuva engrossou. Nos molhamos até a alma. E então, a direção da bicicleta de Andrés quebrou. Estávamos com frio, fome, e agora parados. Thomas e eu trocamos as roupas para não adoecer. Ficamos duas horas tentando resolver. E resolvemos. Às 17h, chegamos à Secretaria de Cultura e Turismo. Pedimos um espaço para acampar e recebemos muito mais: uma noite de hotel, oferecida pelo Conselho Tutelar, com jantar e café da manhã. Thomas pedalou tudo. Corajoso, sem reclamar. Meu pequeno grande viajante.
Dia de parar e consertar –

Nazaré, empresa Refrinaza com senhor Manuel – Foto: Nazareth Reales
8 de julho – Nazaré das Farinhas, Bahia
Dormimos no hotel e, pela manhã, Rafira, do Conselho Tutelar, nos buscou para nos levar de volta às bicicletas. Fomos agradecer pessoalmente. Depois, começou a missão: encontrar os cabos da direção. Foi um quebra-cabeça até encontrarmos Manuel, da Refrinaza, que conserta geladeiras e lavadoras. Ele nos recebeu com gentileza, ferramentas e ajuda. Passamos o dia nisso. Enquanto Andrés resolvia a parte mecânica, me sentei com Thomas para nossa escola portátil: leitura, gramática e números. À tarde, montamos a barraca no posto São Cristóvão, tomamos banho, cozinhamos e descansamos. Às vezes, o caminho não está na estrada, mas na pausa.
Sem chuvas, a subida e o encontro com um sonho-

Thomas pedalando para Nazaré, Bahia – Foto: Nazareth Reales
9 de julho – Muniz Ferreira, Bahia
Deixamos Nazaré com sol forte e muitas subidas. Thomas pedalava como se a estrada fosse brincadeira. Em Muniz Ferreira, após 15 km, decidimos parar. Ainda faltava o trecho mais duro até Santo Antônio, e já era tarde. A senhora Rosi nos viu na estrada, nos reconheceu da internet e nos parou para nos parabenizar. Ao saber que buscávamos onde dormir, abriu a casa dela em construção para nós. Nos deu colchões, cobertas, banho quente, comida e cuidado. Dona Sônia, sua vizinha, trouxe travesseiros, Wi-Fi e aconchego. Conhecemos então Luz Rosi, filha de Rosi, uma jovem sonhadora que se encantou com nossa jornada. Disse que agora acredita que pode, sim, viajar pelo mundo. Thomas, naquele dia, pedalou cada subida com força e sorriso. Saí da estrada levando no peito o brilho dos olhos de Luz Rosi. Às vezes, inspirar é o maior destino.
Ficar também é seguir-

Muniz Ferreira, casa de sra. Rosimeri Ramos – Foto: Nazareth Reales
10 de julho – Muniz Ferreira, Bahia
Hoje não pedalamos. Andrés acordou cedo e começou a instalar a parte elétrica da casa de dona Rosi, uma forma de agradecer. Eu me sentei com Thomas, abrimos nosso pequeno caderno de letras e números. Depois, ele correu para brincar com Helena e outras crianças da rua. Polar acompanhava tudo, como sempre, como se entendesse.

Muniz Ferreira, casa de sra. Rosimeri Ramos, Andres fazendo a instalação elétrica – Foto: Nazareth Reales
Eu aproveitei a tranquilidade rara para escrever. Revisitei cada momento da semana, como quem costura lembranças. Percebi que, mesmo parados, seguimos. Às vezes, o caminho é isso: plantar onde antes só havia cimento. Hoje não avançamos em quilômetros, mas nos enraizamos em humanidade.
Essa é nossa vida. Uma casa sobre rodas, uma escola na estrada, uma missão de alma. Obrigada por nos acompanhar. Até a próxima parada.
Com amor,
Nazareth Reales – Família Bikeagle
📍Muniz Ferreira, Bahia
10 de julho de 2025