O MPF vai continuar atuando para garantir que a Concessão Sistema Rodoviário Salvador-Ilha de Itaparica respeite o diálogo com a comunidade garantido pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho.
Por Gilsimara Cardoso

Audiência Pública -” Impactos da Ponte Salvador-Itaparica em comunidades tradicionais” da Ponte Foto: Gilsimara Cardoso
Na quarta-feira, 11, a Audiência Pública “Impactos da Ponte Salvador-Itaparica em comunidades tradicionais”, realizada no Ministério Público Federal – MPF- , em Salvador, trouxe falas de representantes de diversas comunidades da Ilha de Itaparica contra a continuidade da construção da ponte. Com unanimidade os líderes das comunidades alegaram não terem quaisquer diálogos com representantes do consórcio da ponte.

Marcos André, Procurador da República do Ministério Público Federal Foto: Gilsimara Cardoso
O Procurador da República do MPF, Marcos André, falou com exclusividade ao Jornal Atualize sobre os próximos encaminhamentos do MPF em relação às demandas apresentadas por moradores da Ilha de Itaparica. “A gente já tem instaurado um inquérito civil público que examina os efeitos, os impactos da ponte Salvador e Itaparica sobre comunidades tradicionais. Essa audiência pública está sendo realizada dentro desse inquérito civil público para fins de colher elementos. Após esse evento, a gente vai continuar atuando no sentido de garantir que os povos e comunidades tradicionais afetados sejam ouvidos, sejam devidamente consultados, como diz a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. “ Explica Marcos.

Audiência Pública -” Impactos da Ponte Salvador-Itaparica em comunidades tradicionais” da Ponte Foto: Gilsimara Cardoso
A audiência pública realizada na sede do MPF em Salvador teve lotação máxima. O auditório, com capacidade para 120 pessoas, ficou completamente ocupado, uma sala extra foi aberta, com transmissão ao vivo da sessão para garantir que todos pudessem acompanhar. O procurador também afirmou que há possibilidade de participação em uma audiência pública em Vera Cruz, desde que o convite seja organizado e oficializado pela própria comunidade. “A gente não consegue organizar um evento como esse fora daqui. Esse é o maior espaço que nós temos. Mas se a gente for convocado para… Eu já fui na Ilha de Itaparica nos últimos seis meses, duas vezes. Eu posso ir mais. Sempre que for chamado, a gente vai estar presente. Representando o Ministério Público Federal e fazendo o nosso papel.” Ressalta Marcos.

Marcos Cruz no MPF – Foto: Gilsimara Cardoso
O fato positivo é que a mobilização já foi feita, o comunicador Marcos Cruz, da Rede de Comunicadores da Ilha de Itaparica -Recomii- destacou a necessidade urgente de revisão das estratégias de comunicação adotadas pelo Consórcio da Ponte Salvador -Itaparica, a fim de garantir que atendam, de forma eficaz, às comunidades tradicionais e à população em geral. Marcos também convocou, durante a fala dele no MPF, todas as organizações da sociedade civil, representantes políticos, o Ministério Público Federal (MPF) e demais entidades presentes à Mesa de Itaparica e Vera Cruz para participarem de uma nova audiência pública marcada para setembro, organizada pela sociedade civil da Ilha de Itaparica. “O encontro está previsto para acontecer em setembro, a data certa e o local ainda estamos resolvendo.”

Rafael Tupinambá no MPF ( usando cocar de penas ) – Foto: Gilsimara Cardoso
O destaque para tantas falas de impactos socioambientais foi para a fala do indígena Rafael Tupinambá que trouxe os anseios provocados pelo processo de mitigação de danos, que ainda não foram apresentados, como possível desenvolvimento em sinônimo de aculturação de povos originários. ” Tá afirmado nosso posicionamento como povo Tupinambá da Ilha de Itaparica, que essa ponte nós enfrentaremos ela até o fim, porque enquanto o nosso povo tiver existindo consciente do que realmente é de valor pra gente, porque o estado pode chegar pra gente e dizer eu tenho um espelho, ainda fazem né ? Eu tenho ferramentas, ainda fazem, que é as medidas de mitigação. (Sic). “ Afirma Rafael.

Jorge Rasta, presidente da Câmara Municipal de Vera Cruz – Foto: Gilsimara Cardoso
Representantes do poder legislativo também marcaram presença no MPF, o presidente da Câmara Municipal de Vera Cruz Jorge Rasta afirmou existir uma tentativa de manipulação por parte do governo do estado com o prefeito de Vera Cruz, Igor Pinho, com promessas de obras e recursos, “Você sabe o que é que o prefeito Igor Pinho me disse? Que o governo chamou ele colocou um painelzinho mostrando como seria cheio de prédios, tudo luxuoso, é um processo de gentrificação, …dizendo que só vem investimentos se tiver uma ponte. ” Afirma Jorge Rasta.

Audiência Pública -” Impactos da Ponte Salvador-Itaparica em comunidades tradicionais” da Ponte Foto: Gilsimara Cardoso
A gentrificação é um fenômeno que ocorre quando áreas populares passam por um processo de valorização imobiliária com a chegada de novos investimentos, o que resulta na expulsão gradual dos moradores originais, que não conseguem mais arcar com o aumento do custo de vida.
Os moradores e representantes comunitários também levantaram preocupações sobre possíveis danos à tradicional Feira de São Joaquim, maior feira livre de Salvador, importante centro cultural e comercial. A comunidade teme que o avanço das obras comprometa o espaço e a identidade da feira, que abriga manifestações culturais, além de centenas de pequenos comerciantes.

Jerônimo Rodrigues, governador da Bahia, fazendo selfie – Consórcio Ponte Salvador Itaparica / Foto: Ponte Salvador Itaparica
A obra foi incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e contará com um investimento estimado em cerca de R$ 10 bilhões. A construção será realizada por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP) entre o Governo da Bahia e um consórcio chinês formado pelas empresas China Communications Construction Company (CCCC) e China Civil Engineering Construction Corporation (CCECC), responsáveis pela construção da maior ponte do mundo, com 55 km de extensão, que liga Hong Kong a Macau. O contrato prevê uma concessão de 35 anos para a construção, operação e manutenção do equipamento.

Francisco Mendes, representante jurídico do Consórcio Ponte Salvador-Itaparica – Foto: Gilsimara Cardoso
Em resposta, Francisco Mendes, representante jurídico da Concessão Sistema Rodoviário Salvador-Ilha de Itaparica, minimizou os impactos, mas afirmou que o consórcio está aberto a colaborar em processos de regularização fundiária dos terrenos onde ocorrem manifestações culturais e religiosas. Francisco defendeu a construção da ponte destacando um argumento sensível, o acesso à saúde. Segundo ele, o novo trajeto pode salvar vidas, ao encurtar o tempo de deslocamento de pacientes de várias cidades baianas para hospitais em Salvador. Ele afirmou que, apesar da resistência de 42 mil moradores da Ilha, número que, na realidade, é de aproximadamente 55 mil pessoas, somando os municípios de Itaparica e Vera Cruz, a ponte trará benefícios para um grande número de baianos, ” è preciso pensar num todo da coletividade tá, no interesse público de 70% da população baiana, 10,5 milhões de baianos que serão positivamente afetados com a construção da ponte Salvador-Itaparica.” Enfatiza Francisco.

Foto: Ponte Salvador Itaparica
Com a chegada da ponte, em Vera Cruz haverão duas praças de pedágio, uma em Mar Grande e outra perto da Ponte do Funil. A primeira custará R$ 45 e a segunda R$ 5. Caso o usuário do veículo saia de Salvador em direção à Ilha (e vice-versa) e retorne dentro de 24h, a tarifa de retorno será apenas R$ 5, a ser paga no pedágio de Mar Grande. Esses valores foram estabelecidos considerando a data-base de janeiro/2019 e serão atualizados conforme IPCA. Os valores também foram definidos em contrato assinado com o Governo do Estado, não cabendo à Concessionária qualquer alteração de valor. O contrato garante também a administração da via pela Concessionária durante 29 anos a partir da conclusão da obra.
A expectativa é de atingir um fluxo de 28 mil veículos por dia já no início da operação. Em Salvador, a ponte será acessada na região de Água de Meninos. Na Ilha de Itaparica, a ponte se inicia na região da Gameleira.
De acordo com a projeção de tráfego diário de 28 mil veículos no sentido Salvador–Ilha de Itaparica, a arrecadação estimada com as tarifas dos pedágios poderá alcançar R$ 1,4 milhão por dia. Esse valor considera a cobrança de R$ 45 na praça de Mar Grande e R$ 5 na praça próxima à Ponte do Funil, totalizando R$ 50 por veículo apenas na ida. Além disso, há previsão de desconto para quem retorna no prazo de até 24 horas, pagando apenas R$ 5 no pedágio de Mar Grande, o que reduz o custo da volta para R$ 10, que representará uma mudança significativa na dinâmica de mobilidade entre a capital e a Ilha, impactando tanto os moradores quanto os visitantes.

Felipe Brito, historiador e ativista no MPF – Foto: Gilsimara Cardoso
Felipe Brito, historiador e ativista, foi enfático ao criticar a condução do projeto e a falta de escuta às comunidades tradicionais da ilha. Em tom de indignação, ele questionou a legitimidade do processo de consulta e denunciou o que considera uma tentativa de impor a obra sem diálogo real com os moradores. “O governo usa a desinformação como ferramenta. Consultaram outros grupos e disseram que nós não queríamos diálogo.” Felipe também se posicionou diante da mega construção da ponte, “nós não queremos a ponte Salvador-Itaparica. Será que ainda não ficou claro?”, declarou Brito, arrancando aplausos de parte do público presente.

Sondagem do solo na Baía de Todos os Santos para construção da ponte- Foto: Marcelo Maia
A sondagem foi apresentada pelo Governo do Estado da Bahia, por meio da Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), e pela Concessionária Ponte Salvador-Ilha de Itaparica à comunidade acadêmica especializada. A sondagem teve início no solo firme de Vera Cruz e avançou até o canal central, onde atingiu águas com profundidade de 67 metros. No total, foram realizados 105 furos ao longo do traçado, com extração de material em pontos que chegaram a 200 metros de profundidade, o equivalente a duas vezes e meia a altura do Elevador Lacerda. O processo, inédito no Brasil, contou com análises feitas em um laboratório de alta tecnologia instalado no canteiro de obras.

Equipes trabalham na segunda balsa da Ponte Salvador-Itaparica – Foto: Marcelo Maia
Os estudos revelaram variações significativas no solo entre os dois lados da Baía de Todos-os-Santos. No sentido Ilha de Itaparica-Salvador, os primeiros dois quilômetros apresentaram solo jovem, com uma fina camada sedimentar seguida por rocha de boa qualidade. Já nos trechos seguintes, foi identificado um solo mais antigo e instável, com camadas espessas de material sedimentar intercaladas por rochas de baixa resistência. Essa diferença se deve à movimentação marinha e à idade geológica da região, que varia de 66 milhões de anos próximo à ilha a 241 milhões nas imediações de Salvador.

Projeção da Ponte – Foto: Ponte Salvador Itaparica
Ambientalistas e moradores alertam que o impacto ecológico será profundo, a construção pode afetar gravemente ecossistemas terrestres e marinhos, além de comprometer o equilíbrio da Baía de Todos os Santos, um patrimônio natural e cultural do estado da Bahia.