Encontros que viram abrigo: lições silenciosas do caminho
Por Nazareth Reales

Dias de chuvas a caminho de Vitória da Conquista, Bahia – Foto: Nazareth Reales
Viemos de uma rotina marcada pelo sol implacável. Dias em que o calor parecia derreter o asfalto e o vento quente queimava a pele.
O cenário havia se tornado ocre; rios secos exibiam seus leitos rachados, e o pó acompanhava cada pedalada como um lembrete constante do rigor do sertão na época da estiagem.

Rota para Vitória da Conquista, Bahia – Foto: Nazareth Reales
Poucas semanas antes, implorávamos por uma sombra, uma brisa, uma gota de chuva que aliviasse a sede e refrescasse o caminho. E, quando a chuva finalmente veio, chegou com a força de quem ficou contida por tempo demais.

BA 262 – Brumado a Vitória da conquista – Foto: Nazareth Reales
A estrada entre Brumado e Vitória da Conquista foi uma daquelas que testam não apenas as pernas, mas também a fé.
Quando a chuva cai, a fé se acende
Os dias ficaram frios. A temporada de chuvas começara, e o céu parecia não ter intenção de abrir. Cada pedalada era uma batalha contra o vento, a neblina e subidas que pareciam não terminar.
Não buscávamos grandes coisas, apenas um teto que protegesse a nós e às nossas bicicletas. Um lugar onde Polar pudesse descansar e onde Thomas não sentisse o frio atravessando os ossos.

Da direita para a esquerda: a professora de Biologia Luzia Medeiros – Foto: Nazareth Reales
Foi nessa busca que conhecemos a professora Luzia, docente de geografia do Colégio Estadual de Aracatú. Sua energia e sua acolhida nos lembraram que encontros nunca são por acaso.
Ela abriu as portas do colégio, e ali fomos recebidos com uma generosidade que ainda nos emociona. Os professores nos convidaram para almoçar, nos ofereceram um banho quente enquanto a chuva caía sem trégua, e por algumas horas sentimos o universo nos abraçar através daquelas mãos solidárias.

Equipe de professores e esportistas que nos recebeu na escola – Foto: Acervo Pessoal
Quando a chuva deu uma trégua, seguimos para encontrar um local onde passar a noite. Era sexta-feira, e as repartições da prefeitura e o CRAS já estavam fechados.
Pouco depois, às seis da tarde, sem alternativas e com o céu cada vez mais cinzento, encontramos um ginásio esportivo coberto, ou quase, pois faltavam telhas, o piso estava molhado e não havia luz nem banheiro. Ainda assim, era o que havia.
Diante disso, decidimos ficar ali mesmo.
Pedimos ao céu que a chuva não apertasse, para que o lugar não alagasse.
E, por fim, enquanto montávamos a barraca, agradecemos: pelo almoço, pelo banho, por estarmos juntos e a salvo, mesmo sob um teto incompleto.
O silêncio antes do milagre

Polícia Militar de Aracatú, soldado Eustáquio e sargento Rovinon, que conseguiram o apoio do CRAS – Foto: Nazareth Reales
Foi então que um carro da Polícia Militar apareceu.
Fui explicar quem éramos e o que fazíamos. O soldado Eustáquio e o sargento Rovinon ouviram com atenção. Disseram que, por ora, não havia problema e que tentariam falar com os responsáveis pelo espaço.
Seguimos em silêncio, naquela mistura de cansaço e esperança que só a estrada ensina.
Minutos depois, a viatura voltou.
Os policiais desceram, e um deles disse, com voz calma:
“Vocês não podem dormir aqui… se chover forte, isso alaga. Não é seguro. Vocês vão se molhar, e o menino pode adoecer.”
Um frio atravessou o corpo.
Troquei um olhar com Andrés, aquele olhar silencioso que diz: “E agora?”
O céu escurecia, o vento cortava.
Mas o sargento sorriu e completou: “Falamos com o pessoal do CRAS. Eles vão emprestar uma casa de abrigo para vocês. Lá tem banho, cozinha, espaço para guardar as bicicletas… tudo para descansarem com segurança.”

Casa de abrigo do CRAS, Aracatú, Bahia – Foto: Nazareth Reales
Os olhos marejaram antes que pudéssemos responder.
Naquele instante, entendemos novamente que a gratidão abre caminhos que a aflição jamais alcança.
Dormimos sob um teto seguro, com comida quente e a paz de saber que sempre há alguém, visível ou invisível, sustentando nossa travessia.
Passamos todo o fim de semana ali: acolhidos, aquecidos, alimentados.
Um presente inesperado.

Almoço em Colegio Estadual de Aracatú – Foto: Nazareth Reales
Mais uma lição do universo: basta agradecer e confiar. O resto, Deus move através de quem menos imaginamos.
Depois disso, o caminho se encheu de anjos: pessoas que nos ofereceram um prato de comida, um banho, um teto ou simplesmente uma pausa para respirar.

José, amigo que nos apoiou com a carona para vencer a Serra dos Pombos rumo a Vitória da Conquista – Foto: Nazareth Reales
E quando chegou a hora de enfrentar a serra mais difícil em direção a Vitória da Conquista, cinquenta quilômetros de subida dura, chuva fina e caminhões velozes, o corpo já quase não respondia. Foi então que apareceu José, outro anjo do caminho, que nos ofereceu uma carona para vencer aquela montanha impossível.

BA 148 – Caraguatai – Foto: Nazareth Reales
O universo repetiu seu recado silencioso: “Você não está sozinho. Confie, continue pedalando e agradeça até o que ainda não chegou.”
Agora, em Vitória da Conquista, fazemos uma pausa para preparar a próxima etapa dessa volta ao mundo com a @casaenbici.
Que lindo! E ver que cada obstáculo vai sendo vencido um a um. No fim histórias maravilhosas. Abraços! Obrigado!
Sensacional !