Catadores atuam na coleta durante a Festa de Aniversário dos 63 anos de Vera Cruz, uniformizados e equipados com EPIs
Por Gilsimara Cardoso

Vilma Batista Marques – Foto: Oni Sampaio
No meio da multidão na festa de aniversário de Emancipação Política de Vera Cruz, havia um grupo de 20 pessoas trabalhando uniformizadas, visivelmente empenhadas em limpar a sujeira que a maioria estava deixando para trás.
Eram os catadores participantes do Projeto Piloto “Catador Legal”, eles atuaram durante o evento com a missão de garantir a coleta seletiva e dar o destino correto aos resíduos recicláveis.
A ação foi articulada pela Subsecretária da Secretaria de Meio Ambiente, Silene Costa, é considerada um projeto-piloto na Ilha de Itaparica.” Hoje é um dia muito importante e inesquecível. A gente está dando o primeiro passo e a gente não tem mais como retroceder. É daqui para melhor, né? Então a gente tem muita coisa para melhorar, tem muita coisa para melhorar. Mas esse espaço foi um espaço sonhado primeiro“, explica emocionada Silene.

Carlos Alberto, Catador Legal – Foto: Oni Sampaio
Carlos Alberto Santana trabalha com reciclagem há pouco mais de um ano e participou, pela primeira vez, de um evento que reservou um espaço para os catadores uniformizados. Para ele, a experiência foi marcante. “Tá maravilhoso, né? Tem um lugar pra gente ficar. A gente tá uniformizado, fica mais à vontade”, relatou. Carlos destacou ainda a importância do trabalho dos catadores, que recolhem o que muitos descartam como lixo, mas que na verdade são resíduos reutilizáveis. “Enquanto uns vão jogando, a gente vai recolhendo. Tudo pode ser reaproveitado”, completou.

Foto: Oni Sampaio
Com mais de 20 anos dedicados à reciclagem, Vilma Batista Marques viu muitas mudanças acontecerem ao longo do tempo mas destacou que esta foi a melhor experiência que já viveu em um evento. “Tá tudo organizadinho, tudo bem aprumado, num lugar adequado. Na outra festa fiquei fora do circuito. Hoje a gente tem cadastro, tem nome, é reconhecido como pessoa”, afirmou. Para ela, participar da ação com uniforme e em um espaço reservado representa um avanço importante. Integrante da Cooperativa CoopTres desde 2015, Vilma lembra que o trabalho com a reciclagem ajudou a criar os filhos e que o reconhecimento pela Secretaria do Meio Ambiente marca um ponto de partida para novas conquistas. “Só de saber que estou ajudando o meio ambiente e sendo valorizada por isso, já é maravilhoso”, completou.

Foto: Oni Sampaio
Em meio a novidade de ter um espaço reservado dentro do circuito da festa, criou-se novos anseios por parte dos catadores, a expectativa deles era sair da invisibilidade, aproveitar o novo espaço, garantir dignidade no trabalho e ganhar em média R$ 300 pela noite de coleta. Mas o que era pra ser um avanço histórico virou também motivo de reclamações, frustrações e alertas. “Foi muito importante ter esse espaço aqui, antes não tinha nada. Mas na hora da chuva foi horrível. Tivemos que nos juntar com lama nos pés, nos molhamos”, contou Larissa Marques uma das dos catadores presentes.

Foto: Oni Sampaio
O local reservado foi improvisado de última hora, um terreno baldio, com tapumes e apenas dois toldos. Mesmo com o esforço da subsecretária Silene Costa, que articulou a criação do espaço e a entrega de EPIs, as condições ficaram longe do ideal. “Foi um esforço conseguir esse espaço para eles, foi um avanço que precisa melhorar. Eu vou continuar lutando para que tenham, a cada dia, um local mais digno”, afirmou Silene.
Além da falta de estrutura, houve falta de alimentação, banheiro e apoio logístico. Enquanto, em paralelo a essa situação, no camarote do prefeito não faltaram salgados, refrigerantes, cervejas e uísques. Os catadores passaram a noite sem sequer receber um lanche da organização. “Teve catador aqui que não se alimentou até agora. São 4h da manhã”, relatou Larissa, indignada com o descaso. No segundo dia do evento, houve entrega de lanches para os 20 catadores que estavam presentes no local.

Foto: Oni Sampaio
Situações como essa escancaram uma realidade que precisa mudar com urgência, muitos desses trabalhadores seguem atuando de forma informal, sem contrato, apoio técnico ou garantias básicas. É justamente aí que entra a importância da formalização dos catadores, que vai muito além do uniforme ou da boa vontade de uma gestão.
Essa formalização é essencial para garantir direitos básicos como remuneração justa, previdência e segurança no trabalho. Isso pode ocorrer por meio de cooperativas com CNPJ e registro no Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos – SINIR-, ou por contratos com o poder público, como previsto na Lei 12.305/2010. Com isso, os catadores deixam a informalidade, ganham reconhecimento profissional e passam a ter acesso a infraestrutura, formações e políticas públicas.

Foto: Oni Sampaio
O SiNIR é uma ferramenta prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), reúne e organiza dados sobre a gestão de resíduos em todo o Brasil. A plataforma permite o cadastramento de cooperativas e associações de catadores, passo essencial para a habilitação em programas federais como a Coleta Seletiva Cidadã e o acesso a recursos públicos destinados à reciclagem.
Além de promover transparência na destinação dos resíduos por meio do Manifesto de Transporte de Resíduos (MTR), o SiNIR também fortalece a atuação dos catadores na logística reversa e no incentivo à reciclagem. Ao integrar esses trabalhadores ao sistema nacional, o governo reconhece o papel estratégico na economia circular e avança na construção de políticas públicas mais inclusivas.

Foto: Oni Sampaio
Mesmo uniformizados, alguns catadores foram vítimas de agressões físicas, além de atitudes carregadas de preconceitos. “Alguns catadores sofreram agressões, alguns foram empurrados, outros levaram pisões nas mãos, houve muito preconceito.“, relata Larissa.
Esses trabalhadores, atuam silenciosamente para manter o espaço limpo e promover a reciclagem, são verdadeiros heróis invisíveis do cotidiano. Eles transformam resíduos em recursos, cuidam do meio ambiente e movimentam a economia circular e, por isso, merecem não apenas estrutura, mas respeito, reconhecimento e dignidade. O tratamento recebido por alguns deles mostra que ainda há muito a se avançar na construção de uma sociedade mais justa e consciente.