Do lombo do passado ao trote do futuro, a cavalgada uniu gerações no Cone Sul de Vera Cruz.
Por Gilsimara Cardoso

Foto: Gilsimara Cardoso
Neste domingo, 27 de julho, enquanto a cidade de Serrita, em Pernambuco, celebrava a tradicional Missa do Vaqueiro em homenagem ao vaqueiro Jacó, em Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, vaqueiros antigos se reencontraram com a nova geração em um momento histórico, a primeira cavalgada do Grupo de Montaria Casca de Bala.

Foto: Gilsimara Cardoso
O evento teve início às 12h, com saída do Posto de Gasolina de Aratuba e percorreu as ruas, passando por Berlink e Catu. Organizada pela própria comunidade e com apoio da Prefeitura de Vera Cruz, do vereador Val da Caçamba e de comerciantes locais, a cavalgada reuniu cerca de 200 pessoas das comunidades de Aratuba, Berlink, Catu, Tairu e Cacha Pregos.

Thayane França na 1ª Cavalgada Casca de Bala – Foto: Gilsimara Cardoso
A festa seguiu até a noite com atrações musicais que animaram o público, Lavínia Sales, Thayane França e o forrozeiro Garapa, que levou ao público a energia de Nazaré das Farinhas, onde toca há mais de 15 anos ao lado do tecladista Ricardo Tupinambá.

Garapa, na 1ª Cavalgada Casca de Bala – Foto: Gilsimara Cardoso
Para Garapa foi inédito tocar encima de um carro de som, enfrentou a instabilidade do percurso em se manter de pé enquanto cantava, mesmo com esse desafio o repertório musical se manteve intacto e a alegria e simpatia do artista correu solta, “já estamos em Catu, graças a Deus está dando certo, fizemos uma boa oração, minha mãe sempre dizia ‘o cachorro que anda muito sempre ganha um osso ou uma porrada’, engraçado eu sempre ganhei um osso, aqui estou neste carro pequeno simples e humilde, mesmo assim para mim é um prazer inenarrável participar desta festa.” Relata Garapa.

Foto: Gilsimara Cardoso
A presença feminina foi um dos destaques da Cavalgada Casca de Bala. Mulheres estiveram à frente da organização, registraram cada momento com sensibilidade, além de brilharem no palco com vozes marcantes. Exemplo disso, foi apresentação de Thayane França e Lavínia Sales.
Em todas as frentes, a mulherada marcou presença e mostrou que tradição e protagonismo feminino andam lado a lado. Elas cavalgaram durante todo o percurso com coragem e elegância.

Tatiane Caldas, na 1ª Cavalgada Casca de Bala – Foto: Gilsimara Cardoso
Organizada de forma colaborativa pelos próprios cavaleiros, a cavalgada marca um momento de celebração da identidade cultural local, com destaque para o fortalecimento das tradições equestres que fazem parte da história da região. Tatiane Caldas, uma das organizadoras do evento explica, “a realização é porque é uma oportunidade grandiosa de celebrar a cultura e a tradição equestre e ao mesmo tempo em que fortalece os laços locais”.

Paulo P Lima, na 1ª Cavalgada Casca de Bala – Foto: Gilsimara Cardoso
Entre os participantes, teve histórias de vida que conectaram o passado com o presente. Paulo P Lima, filho de Clementino Júnior, morador da antiga Fazenda Matange, atual Tairu, lembrou da época em que o transporte de mercadorias na Ilha era feito com burros e jumentos pelas praias, pois não haviam estradas. “Antigamente a gente só montava para trabalhar, hoje a gente monta para se divertir”, disse Paulo, emocionado por ver a tradição sendo ressignificada.

Jucimário Silva e Valmir Neto – Foto: Gilsimara Cardoso
O jovem Valmir Neto, de 15 anos, foi o único durante a cavalgada a usar o chapéu do vaqueiro nordestino, aprendeu a tocar berrante com o tio e demonstrou orgulho de fazer parte da nova geração de vaqueiros. “Para mim, ser vaqueiro é ser incrível. Sou fã de Luiz Gonzaga, de Zé Vaqueiro e de João Gomes, eu aprendi a tocar o berrante com meu tio, Jucimário Silva, e gosto muito de participar da cavalgada”, afirmou com entusiasmo.

Rosineide Brito, na 1ª Cavalgada Casca de Bala – Foto: Gilsimara Cardoso
Já Rosineide Brito, que também participou da cavalgada tocando o berrante, contou que aprendeu sozinha, mas influenciada pelo esposo dela Jucimário, trata-se do mesmo Jucimário Silva tio de Valmir “Tenho 11 anos de casada, meu marido é vaqueiro”, afirmou ela, demonstrando como a cultura do vaqueiro atravessa afetos e famílias.

Jucimário Silva, na 1ª Cavalgada Casca de Bala – Foto: Gilsimara Cardoso
Jucimário Silva, vaqueiro, morador de Vera Cruz, sabe da importância cultural e histórica da figura do vaqueiro, mesmo percebendo a transformação midiática desse profissional, ele destacou as diferenças entre os vaqueiros de ontem e de hoje. “Sou vaqueiro. O novo vaqueiro é diferente, é blogueiro, segue a moda. Os vaqueiros antigos eram mais raiz, tinham mais sabedoria. Sou fã de Luiz Gonzaga. Sou casado com Neide e ensinei a ela para mantermos juntos a nossa cultura”, explicou, refletindo sobre os caminhos da tradição.

Suzana Muricy, na 1ª Cavalgada Casca de Bala – Foto: Gilsimara Cardoso
A cavalgada também fomentou o turismo e fortaleceu vínculos familiares. Suzana Muricy, turista de Jacobina, viajou exclusivamente para acompanhar a primeira participação do neto dela, Guilherme Barreto, de apenas 7 anos, no evento. “Dá um frio na barriga, mas eu confio no cavalo e no meu filho que vai acompanhar ele. Para mim é muito importante, eu monto em cavalo desde os meus 8 anos de idade, montava em pelo”, relatou emocionada.

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O gesto reforça não só o alcance do evento, que atrai visitantes de outras cidades, mas também a importância de momentos como esse no desenvolvimento das crianças, transmitindo valores, coragem e identidade cultural desde cedo.

Comunidade de Catu, Praça da Igreja – Foto: Gilsimara Cardoso
Durante o trajeto, os cavaleiros puderam apreciar a beleza exuberante da Mata Atlântica no caminho até Catu, um cenário que reforçou o elo entre natureza, história e identidade.

Lourival Conceição, na 1ª Cavalgada Casca de Bala – Foto: Gilsimara Cardoso
O presidente da Associação de Moradores de Catu, Lourival Conceição, entende a importância de manter viva essa tradição, “como participante de cavalgadas aqui em Vera Cruz, vejo como é de suma importância que essa tradição seja sempre lembrada para que a geração futura dê continuidade a esse evento muito lindo e fico feliz em compartilhar com os outros participantes o cenário onde vivo, principalmente o caminho até aqui e o pôr do de sol de Catu.” Ressalta Lourival.

Foto: Gilsimara Cardoso
Uma tradição antiga, criada da necessidade de trabalho, mas estabelecida entre vínculos de afeto, entre o vaqueiro e o cavalo há um elo que vai além da montaria, é cumplicidade, confiança e carinho, construídos no silêncio das trilhas e no ritmo compartilhado do campo. O cavalo não é apenas meio de transporte, é parceiro de jornada, confidente de quem atravessa distâncias e memórias.
Foi possível perceber nos olhares e nos gestos dos participantes o cuidado com o animal, como quem reconhece ali um amigo fiel, que carrega não só o peso do corpo, mas a tradição, o orgulho e a história de um povo.

Foto: Gilsimara Cardoso
A cavalgada Casca de Bala não levantou poeira, porque os caminhos novos foram asfaltados, foi um novo registro dos tempos da modernagem, uma herança viva, onde cada marcha do cavalo ecoa como uma fotografia que registra memórias, afetos e resistência cultural.
“Muito bonita essa cavalgada da Ilha, e ainda mais linda essa homenagem ao mestre Jacó. Emoção e tradição caminhando juntas!