Divulgação tardia, descrença e termos técnicos distantes do cotidiano afetam participação de comunidades na consulta.

Por Gilsimara Cardoso

Consulta Livre em Cacha Pregos – Foto: Gilsimara Cardoso

No último sábado, 19, foi realizada uma reunião em Cacha Pregos sobre a construção da Ponte Salvador-Itaparica e do sistema viário de 30 km que vai atravessar a Ilha de Itaparica, partindo de Vera Cruz até a ponte do Funil. O encontro contou com a presença de representantes do Consórcio da Ponte, da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), da empresa Temis (empresa de consultoria ambiental), contratada pela Sepromi, e de moradores de comunidades tradicionais.

Consulta Livre em Cacha Pregos- Foto: Gilsimara Cardoso

Cerca de 35 pessoas participaram da atividade, que teve transporte, café da manhã e almoço disponibilizados aos presentes. Apesar dos esforços logísticos, a adesão da comunidade foi considerada baixa. A Colônia Z-10, que representa 641 marisqueiras e pescadores de regiões como Jiribatuba, Catu, Cacha Pregos, Berlink, Tairu e Aratuba, levou apenas 10 representantes.

Consulta Livre em Cacha Pregos – Foto: Gilsimara Cardoso

Leonardo Barbosa, presidente da Colônia Z-10, acredita que a obra representa avanço. “O melhor para Ilha , porque a gente passa a ser uma via de acesso , a ponte ela não vai beneficiar só a ilha, mas todo o baixo sul e tem mais regiões , então vamos torcer para que tudo dê certo,“ ressalta Leonardo. Para ele, no entanto, a baixa participação está relacionada à descrença de parte da população sobre a concretização do projeto. “Muitas pessoas ainda não acreditam que essa ponte realmente vai sair do papel”, afirma.

Consulta Livre em Cacha Pregos -Foto: Gilsimara Cardoso

Essas reuniões fazem parte de um processo maior: tratam-se de consultas livres, prévias e informadas, exigidas pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil faz parte. Essa norma determina que povos e comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas, pescadores e marisqueiras, devem ser ouvidos antes da implementação de obras ou medidas administrativas que possam afetar os territórios, modos de vida e direitos. A consulta deve ocorrer de forma culturalmente apropriada, com linguagem acessível e com tempo hábil para que a comunidade possa compreender o projeto, debater internamente e se manifestar de forma autônoma. Além disso, a consulta não é um mero ato informativo, mas um processo contínuo de escuta e participação, cuja opinião das comunidades deve ser levada em consideração nas decisões finais.

Consulta Livre em Cacha Pregos – Foto: Gilsimara Cardoso

Por isso, o Jornal Atualize opta por utilizar uma linguagem mais simples e acessível, trocando o termo técnico “consulta” por “reunião”, com o objetivo de tornar a comunicação mais clara e efetiva para a população local.

Esta reunião foi marcada durante um encontro informativo realizado na sede da Colônia Z-10, no dia 27 de maio deste ano. Diferente da reunião anterior em Mar Grande, que contou com 108 participantes, comunidades importantes como Catu não estiveram presentes. Vale destacar que moradores relataram que não houve divulgação em Catu. Já em Barra Grande e Tairu a divulgação foi feita apenas 4 dias antes da reunião com banner e cartaz, e um dia antes por meio de moto som, o que pode ter comprometido a mobilização local.

Consulta Livre em Cacha Pregos – Foto: Gilsimara Cardoso

A moradora Luciana Barbosa, que esteve presente na reunião, apontou problemas tanto na comunicação quanto no retorno às dúvidas da população. “Sobre a consulta, achei muito boa. O ponto negativo foi que nossas perguntas nunca eram respondidas. E sobre a falta de comunicação, se não fosse por minha filha, eu nem teria ido. O cartaz foi colocado em um lugar muito ruim para ser visto, perto das luzes dos postes”, relatou Luciana.

Consulta Livre em Cacha Pregos Foto: Gilsimara Cardoso

Embora o clima tenha sido mais positivo em comparação à última reunião, com melhorias na estrutura de apresentação e na comunicação dos técnicos, vários questionamentos levantados pelos participantes ficaram sem resposta. A justificativa apresentada foi. Não temos essas respostas, mas iremos passar para os técnicos responsáveis para responder no processo.

A comunicação ainda é apontada como o maior desafio nesse processo. Palavras como “oitivas”, “consulta livre”, “EIA/RIMA” e “mitigação” seguem sendo de difícil compreensão para muitos moradores. A substituição desses termos técnicos por expressões mais familiares é um esforço necessário para garantir a participação plena da comunidade.

Rafael Tupinambá Lider Indígina – Foto: Gilsimara Cardoso

Durante o evento, um participante questionou diretamente a imparcialidade da empresa Temis. “Vocês têm que jogar limpo aqui, vocês foram contratados pelo governo do estado, vocês são a favor da ponte para as pessoas souberem aqui [sic]“, indagou Juan Gonçalves.
Já o indígena Rafael Tupinambá solicitou que, nas próximas reuniões, seja garantido um tempo de fala para um ambientalista apresentar os impactos e contrapartidas ambientais da obra.

Consulta Livre em Cacha Pregos – Foto: Gilsimara Cardoso

A assessoria de comunicação do Consórcio explicou que “a metodologia da consulta é definida previamente em diálogo com a comunidade nas reuniões informativas que são realizadas antes de cada consulta”. Também foi disponibilizado um QR Code com acesso a um grupo de WhatsApp para que os moradores acompanhem as próximas agendas. No entanto, as condições da Internet estavam ruins e alguns participantes não conseguiram acessar.

Consulta Livre em Cacha Pregos – Foto: Gilsimara Cardoso

De acordo com dados apresentados durante a consulta, o processo já está em andamento em diversos territórios de Itaparica. Em Amoreiras e Jaburu, foram realizadas uma reunião informativa e a consulta popular. Em Baiacu, aconteceram duas reuniões informativas, mas a consulta ainda não foi agendada. Já em Itaparica ”Centro”, foi promovida uma reunião informativa e a consulta está marcada para o dia 26 de julho. Por outro lado, nas comunidades de Conceição e Misericórdia, o processo ainda não foi iniciado, com nenhuma reunião informativa realizada até o momento.

O desafio continua sendo fazer com que a informação chegue de forma simples, verdadeira e acessível, para que as pessoas das comunidades possam participar das decisões que vão impactar o futuro da Ilha de Itaparica. É por meio da escuta popular que se torna possível lutar por melhorias essenciais, como hospitais, universidades, saneamento básico e outros serviços que fazem falta no dia a dia da população. Por isso, é fundamental que os moradores estejam presentes nas próximas consultas, expressando as necessidades.

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