Legado de poesia, companheirismo e amor ao sertão marca a despedida do cantor e compositor baiano

Por Gilsimara Cardoso

Velório de Wilson Aragão – Foto: Acervo pessoal

Neste último domingo (25), a cidade de Piritiba, na Bahia, se despediu com emoção de Wilson Aragão, cantor, compositor e poeta, conhecido como o “Roqueiro do Sertão”. O artista baiano faleceu no sábado (24), aos 75 anos, em Salvador, vítima de complicações de um câncer no fígado.

A despedida foi marcada por muita comoção, música e histórias. Amigos, familiares e fãs se reuniram para celebrar a vida e a obra de Aragão, que soube traduzir como poucos a alma do sertão baiano em poesia e melodia.

Wilson Aragão e Paulinho Jequié , festa de aniversário de Wilson de 71 anos – Foto: Acervo pessoal

O cantor Paulinho Jequié esteve no velório, ele era amigo e companheiro de viagens de Wilson. Emocionado relembra a trajetória deles de mais de quatro décadas. “Eu convivi com ele 40 anos correndo essas estradas, a gente comendo muita poeira, para levar a boa música para todo o Brasil, nós convivemos não só musicalidade, mas uma irmandade. E, dentro desses 40 anos, o que mais Aragão ensinou foi o companheirismo, a humildade. Eu nunca vi alguém tão sertanejo quanto Wilson Aragão. E ele tinha uma frase, numa canção dele, que ele dizia, ´tem horas que a noite não tem uma estrela, e a gente que tem que brilhar.´ Essa frase é de uma canção que ele fez para mim e para outros cantadores, chamada uma canção pelos cantadores. Recordou Paulinho.

Paulinho Jequié e Wilson Aragão, show na AABB em Vitória da Conquista – Foto: Acervo pessoal

Wilson era um sertanejo que durante a vida lutou para ressignificar o sertão, “Aragão deixou para a gente, no legado dele, essa grande vontade de transformar o nosso sertão, para que as pessoas pudessem cuidar da terra, poder realmente viver a terra, ser um autêntico catingueiro.” Explica Paulinho.

Wilson Aragão com Ely pinto, cover de Raul Seixas, e Paulinho Jequié – Foto: Acervo pessoal

Natural de Piritiba, Wilson Aragão eternizou a cidade na canção “Capim Guiné”, gravada por Raul Seixas, com quem também dividiu parcerias e viagens. Sua trajetória foi marcada pela resistência, pela arte e pela valorização das raízes sertanejas.

Entrevista na Rádio Regional de Cícero Dantas, antes do encontro de violões do Povoado Mocó – Foto: Acervo pessoal

Aragão deixou a casa dos pais ainda jovem, partiu para São Paulo em busca de oportunidades, mas nunca deixou de compor. No início, escondia as músicas de autoria, receoso do preconceito, mas logo a voz dele ecoou pelo Brasil, levando consigo o sertão, o Rio Jacuípe e a poesia de Piritiba.

Clara Scarllet , filha de Laura Ferreira – Foto: Eliete Cordeiro

A obra de Wilson inclui canções como “Clara”, de tom romântico, que fez a jornalista jacuipense, Laura Ferreira, também amiga de Wilson, homenageá-lo em vida, “apesar de romântico através da linda canção “Clara” que me inspirou e anos mais tarde dei mesmo nome à minha pequena Clara e também Scarllet, uma mistura do “Aragãoseixismo”, já que Scarllet é também o nome da filha de Raul, Aragão também poetizava a nossa realidade: a realidade de quem vive às margens do Jacuípe. Explica, emocionada, Laura.

Festa em homenagem ao poeta Bule Bule, Paulinho Jequié e Wilson Aragão – Foto: Acervo pessoal

Romantismo e realidade fazem parte das canções de Wilson, a vida simples e árida do sertão, se transformou em referência para gerações. “Pra falar do cancioneiro Wilson Aragão é preciso sentir o sertão, valorizar raízes e a poesia que nos identifica como povo: ora forte, ora sobrevivente”, explica Laura.

A canção “Rio Jacuípe “, por exemplo, é tão descritiva e poética que mais parece uma fotografia.

“O sol gostoso,
Carneirinhos brancos no céu
Ponguei nas cancelas
Vi calango avexado
Pra matar a saudade
Mergulhei no Rio Jacuípe”….

“O sol ardente e a caatinga toda
Um berro de bode,
A canção, um assovio
Quebrei caiçara,
Fiz um gancho de badogue
Já não mato mais nada
Vou nadar no Rio Jacuípe”….

Veja aqui um trecho da despedida de Wilson Aragão.

Em meio a lágrimas e canções, o corpo de Wilson Aragão foi velado e sepultado na cidade onde nasceu, cresceu e sempre fez questão de homenagear nas músicas. O legado dele permanece vivo na memória afetiva do sertão e da música brasileira.

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