Matheus enfrenta o racismo religioso e aos poucos recebe o respeito da comunidade às suas tradições culturais. 

Por Gilsimara Cardoso

Presente de Matheus 2025 – Foto: Gilsimara Cardoso

O dia ainda não tinha amanhecido quando os fogos de artifícios explodiram no céu alaranjado de Tairu. A alvorada começou às 5h da manhã. “ Eu preciso dos fogos para despertar”, explica Matheus Lima, organizador da Festa de Iemanjá de Tairu.

A preparação do barco começou na manhã do dia 09 de fevereiro. Palhas de coqueiro, bexigas brancas e azuis. O presente de Iemanjá em Tairu saiu pontualmente as 9h40 respeitando a mãe natureza, o horário da entrega foi definido de acordo com a maré.

Os presentes são arreados durante a maré de enchente ou cheia, Matheus Lima explica a diferença entre as marés, quando trata-se de energia, “uma semana antes eu já acompanho a posição da maré, porque a maré de vazante serve para descarregar a negatividade, ao contrário da de enchente e da cheia que trará boas energias.”

A arrumação dos presentes teve início três dias antes; alfazemas, espelhos, flores, cestas, frutas, bebidas, feijoada… todos os produtos do presente foram protegidos com boas energias.

Lêda Lima (de branco) e Júlia Lima na praia de Tairu aguardando o retorno dos barcos – Foto: Oni Sampaio

Matheus é neto de Lêda Lima, ele aprendeu desde criança a arrumar os presentes juntamente com a avó. Em 2019, ele decidiu cuidar da entrega do presente e deu início a um festejo que no decorrer dos anos deixou de ser somente religioso e passou a ser fortemente cultural.

 Lêda Lima relembra do esforço quando iniciou a entrega do presente, “eu e Júlia, a gente ia juntas na canoa levar o presente, há muitos anos atrás“. Relembrou dona Lêda.

A data especifica do Presente de Matheus é o primeiro domingo de fevereiro, após o dia 02, devido aos festejos tradicionais de Iemanjá em Salvador e em outras localidades da Ilha. Este ano caiu no domingo, 09, por coincidência, na data do Odum ( Iniciação no Candomblé) de Tainá de Oxum.

Tainá Santos próximo ao rio de Tairu, celebrando Oxum – Foto: Oni Sampaio

Coincidência ou não, Tainá Santos foi escolhida para ser entrevista próximo ao rio, ela é de Oxum, deusa das águas doces, e revelou que a entidade esteve presente durante o ritual. “ Sou de Oxum, hoje ela esteve presente aqui, no dia dela, no Presente de Matheus. ” Tainá explicou sorridente.

A beleza do presente de Matheus está nos mínimos detalhes, o canto contínuo dos candomblecistas, no momento do ritual, o idioma Iorubá deixa as tradições africanas mais evidentes.

Gera o pertencimento a uma cultura saqueada durante muitos anos. A ancestralidade das festas religiosas de matrizes africanas provoca uma espécie de dejavur naquele tempo em que os negros eram reis, faraós e que não era “pecado” cultuar Iemanjá.

Chegada do Presente na Orla de Tairu – Foto: Gilsimara Cardoso

Para Sandro Correia, Dr. em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social, tem uma explicação lógica para tudo isso, “o que justifica tanto o preconceito é a escravidão, mais de 300 anos de escravidão no Brasil, o preconceito é marcado não só pela violência física, mas também pela violência simbólica, que faz com que a gente contraditoriamente tenha uma certa relação negativa com símbolos como Iemanjá, com o acarajé e com o abará... . O que nos desunem, nos tornam pessoas racistas. ’ Explica Sandro.

Matheus Lima ajoelhado na escadaria da Igreja de Santo Antônio, em Tairu – Foto: Gilsimara Cardoso

Matheus enfrenta até os dias atuais a aprovação social e a aceitação religiosa de pessoas da própria comunidade em entender que a festa dele começou pelas mãos de duas matriarcas católicas, mães de pescadores. “ É difícil, é cansativo, é estressante, são vários nãos, várias palavras. Se a gente for absorver, a gente não faz.” Desabafou Matheus.

O Presente de Matheus na praia de Tairu – Foto: Oni Sampaio

 O Presente de Matheus é um resgate cultural de tradições antigas, para quem acompanha os festejos locais sabe a importância do presente, mas também percebe o preconceito que os organizadores sofrem. O artista plástico Adenilson Reis, conhecido popularmente pelo nome Tor, reconhece e ressalta a beleza do presente, “ tem muito preconceito, ainda mais o pessoal das igrejas, o que não tem nada a ver, cada um no seu lugar, cada um com a sua fé, o Deus é um só. Um presente lindo desses! Vem gente de todos os locais para vê. “

Tor mora em Tairu, é amante da natureza, também tem uma relação próxima com o mar, ele utiliza o que é considerado como lixo por muitas pessoas para fazer as artes, valorizando a cultura e a natureza local.

Tor desenhando a imagem de Iemanjá na parede durante o Presente de Matheus – Foto: Gilsimara Cardoso

Mesmo com tantas interferências o Presente de Matheus cresceu de e uma moqueca para 10 pessoas, para uma feijoada que alimenta 200 pessoas. “Cada ano a gente melhora um pouco, acrescenta uma coisa, tira outra.  Se a gente for olhar o retrato de antes com o de agora, fica claro o quanto cresceu. ” Contabiliza Matheus, com gratidão no olhar.

Cristiane Lima na praia aguardando o retorno dos barcos – Foto: Gilsimara Catdoso

A nativa Cristiane Lima acompanha o presente todos os anos, desde adolescente hoje grávida, enfrentou o sol quente do meio dia, para prestigiar a festa, “tá mais lindo, muita gente, tudo muito bonito é gratificante participar, é uma cultura de muitos anos e aqui na nossa terra Tairu, é muito gratificante.” concluiu Cristiane.

Assista agora o documentário completo :

O Presente de Matheus foi realizado principalmente com o apoio da comunidade, teve a colaboração e o apoio da Secretaria de Cultura de Vera Cruz, dos vereadores Val da Caçamba e Tatinho, dos pescadores, da Família Lima, do Jornal Atualize e de toda a família do axé.

“Apoiar a cultura é um ato nobre !”

Uma resposta

  1. Precisamos apoiar a cultura local independente de quem a realiza temos que ser gratos a quem se encorajam e segue realizando. Força Matheus e siga sua caminhada.

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